Posso cobrar taxa de agendamento para pacientes que faltam nas consultas médicas?
O paciente não compareceu a consulta, e agora? Posso cobrar taxa de agendamento?
Prestando assessorias jurídicas, percebemos que as clínicas e os consultórios médicos chegam até ao nosso escritório com um grande desafio em comum: o não comparecimento injustificado e sem aviso prévio de pacientes. Com isso, consequentes buracos nas agendas dos profissionais se tornam causadores de muitos prejuízos financeiros. Afinal, se o paciente não compareceu a consulta, são horas do tempo útil de trabalho em que o profissional ficou à disposição do paciente sem remuneração. E, ainda, sem aviso ou com aviso de última hora, impossibilitando, assim, reagendar outro paciente para substitui-lo no horário que ficou em aberto.
Por isso, pensando em reduzir os prejuízos, muitos consultórios e clínicas lotam suas agendas, marcando vários pacientes de um único médico no mesmo horário (o que é uma grande fonte geradora de problemas e insatisfações). E/Ou cobram uma taxa de agendamento. A taxa estabelece um valor prévio ou o pagamento do valor total da consulta para agendar um horário. Em caso de pagamento integral e se o paciente não compareceu a consulta, a clínica cobra uma porcentagem e devolve o restante do valor.
Primeiramente, devemos compreender o que as normas legais e deontológicas preveem sobre o assunto em pauta. E, depois, analisaremos se a implementação dessa taxa é benéfica para sua/seu clínica/consultório e para sua prática médica. Levando em consideração como ela reflete na sua relação com os seus pacientes.
Já de início, adianto que há divergência entre as normas legais (Código de Defesa do Consumidor – CDC) e as normas deontológicas (Código de Ética Médica com posicionamentos de alguns Conselhos Regionais de Medicina – CRMs) sobre o referente assunto.
Qual é o entendimento dos Conselhos de Medicina sobre a taxa de agendamento?
Segundo os Conselhos, essa taxa seria uma infração ética, porque violaria o Art. 59 do Código de Ética Médica (CEM). Esse Art. prevê a proibição ao médico de aceitar remuneração por atendimentos não prestados. Isto é, os Conselhos entendem que a cobrança incide sobre um ato médico não praticado. Já que o paciente não compareceu e não houve a consulta, e, por isso, não seria possível a sua cobrança.
O Parecer nº 20/2020 do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará (CREMEC) diz que, apesar de não haver “impedimento ético à cobrança de consulta médica no ato do agendamento”, essa conduta não seria recomendada, pois, ainda segundo o CREMEC, colocaria “os honorários à frente da relação médico/paciente, indo de encontro ao prestígio e bom conceito da profissão”. Esse parecer conclui que, em caso de cobrança antecipada e a consulta não for realizada, o médico deverá devolver o valor ao paciente ou remarcar a consulta.
Portanto, sobre o Parecer nº 20/2020, entendemos da seguinte forma:
- O parecer afirma que, se a consulta for cobrada no ato do agendamento, estar-se-ia colocando os honorários à frente do relacionamento paciente-médico. Ora, o salário é direito do trabalhador. A remuneração não está à frente. Ela faz parte da relação. É parte, ainda, da boa relação paciente-médico, uma vez que, para que um médico forneça uma prestação de serviço de excelência ao paciente, ele, com toda certeza, precisou investir em sua formação como profissional e na estruturação de sua carreira assim como em outras áreas do conhecimento. É importante levar em conta, também, os custos de manter um estabelecimento de saúde aberto com horário disponível exclusivamente para cada paciente e, a depender do caso, pode ser necessário, ainda, o custo do aluguel de algum equipamento.
- No caso de cobrança do valor integral da consulta no agendamento e da falta do paciente, o Parecer oferece duas opções: a) o médico deverá devolver o valor cobrado ou b) o médico deverá remarcar a consulta. Sobre a opção a: defendemos a possibilidade da cobrança da taxa de agendamento. Nosso entendimento é no sentido de que essa taxa incidirá sobre o valor do tempo útil de trabalho do profissional disponível para o paciente. Por outro lado, a cobrança integral da consulta no agendamento é uma medida, ao nosso ver, considerável e até mesmo excessiva; na opção b: é altamente recomendável o consultório ou a clínica remarcarem a consulta, principalmente quando ela for justificada pelo paciente. Afinal, imprevistos acontecem com todos nós e o bom senso é sempre necessário.
O que diz o Código de Defesa do Consumidor sobre a taxa de agendamento?
Apesar de não defendermos a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC) na relação paciente-médico (escreveremos um artigo sobre esse assunto). Essa é a corrente majoritária em nossa jurisprudência atual. Portanto, nesse cenário, o CDC regulamenta, em conjunto com outras normativas, a sua relação com seus pacientes.
Assim sendo, sob o viés consumerista, entendemos que não há qualquer proibição sobre cobrança da disponibilidade de horas úteis do profissional. Apesar da consulta não realizada, todo o suporte para atender o paciente que não compareceu estava pronto e com hora exclusiva para ele.
Portanto, defendemos que a taxa de agendamento não incide sobre o ato médico praticado, mas pelo tempo do profissional. O que inclui todos os custos da estrutura da/do clínica/consultório, incorporando, em alguns casos, aluguéis de aparelhos disponíveis com horário exclusivo para o paciente.
Pacientes que não comparecem nas Consultas – Tratando a raiz do problema:
Em primeiro lugar, devemos investigar os motivos dos cancelamentos ou do não comparecimento dos pacientes nas consultas médicas, para que tenhamos consciência de problemas cotidianos da clínica, que não são tão fáceis de identificar.
Para isso, podemos seguir três passos:
1) É importante pedir um feedback do motivo do cancelamento da consulta ou da falta para cada paciente. É a demora na espera para consulta? São os colaboradores que estão faltando com empatia? É a falta de “tato humano” do médico com o paciente? Existem diversas e múltiplas questões, que levam o paciente a não comparecer à consulta, que são de inteira responsabilidade da clínica. Para os pacientes não se sentirem constrangidos em responderem a esse tipo de questionamento, a dica é fazer um formulário online sem pedir identificação de quem irá respondê-lo.
2) Elaborar um formulário para os colaboradores responderem sobre temas que envolvam o bem-estar do paciente na clínica e perguntas estratégicas sobre o desenvolvimento do serviço.
3) Enviar um formulário para o paciente após a consulta, para medir o nível de satisfação dele em todos os setores da clínica com os quais ele teve contato.
Sabendo os reais motivos das desistências, é possível traçarmos Protocolos de Segurança Jurídica para corrigir os problemas identificados, que ocorrem corriqueiramente na sua/seu clínica/consultório, que, possivelmente, são as razões pelas faltas.
Assim, é fundamental lembrarmos que esses problemas, que fazem com que o paciente falte, muito provavelmente, são, também, geradores de litígios tanto éticos quanto judiciais.
Ponderações sobre a taxa de agendamento:
Desse modo, existem muitos pontos que devemos ponderar. O primeiro deles é que, quando você obriga o seu paciente a um dever, você também está se obrigando ao cumprimento do dever imposto. Isto é, se você cobrar uma taxa de agendamento do seu paciente faltoso, quando você não puder atender toda a agenda do seu dia e precisar remarcar alguns pacientes, eles também poderão exigir que você pague uma taxa de não comparecimento.
Dessa forma, acreditamos que a taxa de agendamento não é a solução. Ela pode ser ferramenta, mas, na verdade, apenas a aplicação da taxa poderá até afastar seus pacientes com o tempo. Há outras formas de reduzir o percentual de não comparecimento às consultas.
Uma poderosa estratégia é aprimorar a relação do paciente com o médico. O que envolve, também, a relação dos pacientes com os colaboradores e com o ambiente da clínica/consultório. Além do cuidado com as pequenas coisas, para diminuir as possibilidades de uma ação ou um PEP. Como exemplo, já tivemos o relato de uma médica de que, no consultório dela, havia uma jarra de vidro com água apoiada na bancada para os pacientes na sala de espera. Uma paciente, por distração, derrubou a jarra e acabou se machucando. Resultando em uma ação judicial. Esse é apenas um dos inúmeros exemplos que nós poderíamos citar.
Qual é a posição do escritório?
Nossa assessoria e orientação é no sentido de prezar pelo bem-estar do paciente do momento em que ele entra em contato com a/o clínica/consultório (na maioria das vezes por telefone), no desenrolar da relação até o fim dela. Existem Protocolos Jurídicos, que, sendo implementados, garantem o respeito e a harmonização entre a sua autonomia como profissional e a de seus pacientes. E ainda, organizar e regulamentar a documentação médica, financeira e administrativa da clínica. Trazendo assim, segurança jurídica para sua prática médica; otimizando seu tempo e sua agenda e vários outros benefícios.
Acreditamos que a regressão da judicialização da medicina se dará por intermédio de equipes médicas e colaboradores bem-informados do Código de Ética Médica e demais normativas do CFM. Com a implementação de uma cultura estruturada não só pela Medicina, mas também pelo Direito e pela Bioética. E, principalmente, pela Dignidade da Pessoa Humana e sua autonomia como guias para essa complexa relação paciente-médico.
Contudo, retornando ao que dissemos no início do artigo, sabemos que existe um custo mensal para sua clínica funcionar. Quando o paciente não comparece e não desmarca em tempo hábil para reorganizar a agenda, resulta em prejuízos. Por isso, é feita a cobrança (pelo horário disponível do profissional). A implementação da taxa de agendamento com o aprimoramento de outros fatores, alguns citados acima, fará com que o paciente tenha compromisso nessa relação, e não apenas você.
Devemos ressaltar, novamente, que, pelos Conselhos, a cobrança dessa taxa é proibida e o profissional pode sofrer penas éticas; geralmente, uma Advertência Confidencial em Aviso Reservado, o que poderá se agravar com a reincidência.
Política de Agendamento de Consultas Médicas
Para a implementação da taxa de agendamento, é preciso seguir um Protocolo para que os direitos de seus pacientes não sejam violados e você não fique desprotegido juridicamente.
Seguem algumas dicas:
- É necessária a elaboração de uma Política de Agendamento de Consultas Médicas, prevendo direitos e deveres para as duas partes;
- Deve haver previsão da cobrança da taxa de agendamento no Contrato de Prestação de Serviços Médicos;
- O paciente deve ser cientificado, no momento do agendamento da consulta, sobre a Política de Agendamento;
- É de suma importância o envio do PDF da Política de Agendamento no momento do agendamento da consulta; (com assinatura de recebimento de documentos)
- A/O clínica/consultório deve confirmar, com um dia de antecedência, a presença do paciente na consulta agendada. (de preferência por mensagem)
- O paciente deve ficar ciente de que é essencial desmarcar a consulta com no máximo X horas de antecedência. É sempre bom ressaltar o bom senso, uma vez que imprevistos acontecem depois das horas exigidas de antecedência para a desmarcação da consulta.
É imprescindível ressaltarmos, ainda, que não é qualquer Política que funcionará na sua clínica. Essa Política deve ser pensada e elaborada, visando sempre a forma como você pratica a Medicina; como é a sua relação com seus pacientes; e como é a relação dos seus colaboradores com os pacientes. É preciso analisar os problemas cotidianos da clínica. Não é apenas usar uma Política disponível online para download e acreditar que sairão bons resultados disso.
Em suma, a elaboração dessa Política e de Protocolos Jurídicos para Clínicas Médicas deve ser feita por um advogado especialista em Defesa Médica. Só esse especialista poderá identificar e prevenir situações, que podem resultar em complicações para evitá-las.